Mecanismos da crise financeira

Bem, se o primeiro passo para a solução de qualquer problema, independentemente de sua natureza, é conhecer as raízes de sua origem, então começamos a ficar felizes com doces conclusões.Essa crise parece estranha a muita gente. Muitos pensam: “se o problema se dá (primordialmente) no mercado de hipotecas dos EUA, como isso por si só, pode afetar todo o globo, num desdobramento que parece não ter mais fim?” Pois bem, meu artigo de hoje tem exatamente este objetivo. Tornar o processo de seu entendimento um pouco mais claro, embora talvez, não menos complicado.

Luciano Lima Pereira

10/16/20085 min read

Bem, se o primeiro passo para a solução de qualquer problema, independentemente de sua natureza, é conhecer as raízes de sua origem, então começamos a ficar felizes com doces conclusões.Essa crise parece estranha a muita gente. Muitos pensam: “se o problema se dá (primordialmente) no mercado de hipotecas dos EUA, como isso por si só, pode afetar todo o globo, num desdobramento que parece não ter mais fim?” Pois bem, meu artigo de hoje tem exatamente este objetivo. Tornar o processo de seu entendimento um pouco mais claro, embora talvez, não menos complicado.

Essencialmente o que precisamos entender, é que o mercado hipotecário estadunidense é, não só um mercado para o fluxo e a fruição do mercado imobiliário, como também, e talvez até principalmente, como um título de securitização.

Em outras palavras, ao se efetuar um contrato de empréstimos para compra de imóveis, assinando uma hipoteca o cliente estava assinando, indiretamente, um título negociável pelo banco. Claro, todo mundo quer garantias. Assim, os bancos comerciais negociam estes contratos com o objetivo de conquistar meios que dêem um mínimo de segurança nas negociações. Este seria, como estava sendo, o melhor dos mundos.

Securitizar é transformar um ativo ilíquido em um título negociável, ou seja, é a conversão de uma dívida ou título em ativos para serem vendidos a investidores.

Um pouquinho de história:
Pois bem, antigamente, as hipotecas de um banco ficavam numa só carteira. No início dos anos 80 os bancos começaram a securitizar suas carteiras: agrupavam as hipotecas, dividiam esse bolo e vendiam-nas a terceiros (outros bancos, seguradoras e fundos de pensão). Deste modo, retiravam-se dos bancos, os riscos de inadimplências no mercado hipotecário; pois havia uma “transferência destes riscos a terceiros”. Esse processo deu rendimento historicamente inigualável ao setor bancário. Primeiramente nos Estados Unidos, depois a outros bancos estrangeiros. Mas como dizem: “transferir o risco não é mitiga-lo”. Daí vem o nosso problema: gestão de risco no setor financeiro.

Deste modo transferiam o risco para outros. Isso abria espaço na carteira dos bancos, que financiavam novos empréstimos, que eram também securitizados; que financiavam, que securitizavam…… até se transformar numa bola de neve quase que descontroladamente.

A primeira questão é que uma instituição financeira é, na prática, uma intermediadora de riscos. Outra questão é que este setor, por sua própria natureza, e pela excessiva profusão de dados, torna-se berço natural de iniciativas para quantificação destes riscos. O terceiro ponto e que, ao meu ver, é o mais perigoso: eles costumam ser altamente alavancados.

Nos últimos 50 anos, a profusão de estudos e teorias acerca de análises de riscos no mercado financeiro foi fortemente disseminada. Assim, aumentou também a preocupação do governo estadunidense sobre o potencial impacto de quebras. Preocupação esta remonta o ano de 1974.

A culpa no fundo era dos bancos, que tinham uma compreensão muito limitada do risco do empréstimo em sua carteira, e não raramente, descasavam ativos e passivos. Erro brutal!

Em contrapartida, corretoras de valores e bancos de investimentos haviam atingido alta sofisticação no uso de ferramentas de gestão de riscos. Neste momento, o risco da taxa de juros já podia ser dissociado do risco de crédito.

Devido à tarimba das corretoras de valores e bancos de investimentos em embalar e comercializar riscos; e à tarimba dos bancos comerciais em conceder empréstimos, o que se viu com o tempo foi um forte processo de fusão entre estes organismos. Isso fez com que o mercado se tornasse muito mais complexo, reduzindo entre eles, tanto a distinção que se fazia entre uma coisa e outra, como também os processos de regulamentação de cada mercado começou a convergir para um mesmo ponto (nebuloso).

Ainda não sabemos aonde chegaremos, nem mesmo como as coisas evoluirão. Mas mesmo que haja rechaço de alguns instrumentos complexos, é altamente improvável que os inovadores da área desistam de reembalar e negociar riscos. No fundo no fundo, é disso que vive o mercado, de riscos; especialmente o setor financeiro.

Então, agora sabemos que existem duas razões para a atual crise: títulos lastreados em hipotecas; gestão de riscos.

O problema não morre aí. Isso se alastrou pelo mundo porque o processo de securitização das hipotecas, citado acima, passou a envolver bancos estrangeiros com investimentos multi-nacionais. Passaram a negociar títulos derivativos no mercado financeiro, lastreados em hipotecas. E é exatamente neste ponto que começamos finalmente a entender o monstro que nos assombra.

Por isso que esta crise iniciada no sistema hipotecário dos EUA começa a estender tentáculos longos demais sobres nossas cabeças.

Tem um ditado que diz: “dividir para multiplicar!” Realmente é a pura verdade, embora nem sempre com propósitos assim tão nobres. Neste caso, apenas para ilustrar: em fins dos anos 90 o mercado de derivativos estava em explosão. O valor nocional dos títulos subiu de 72 para 370 trilhões de dólares (sim, não há erros não, eu disse TRI). No final de 2007 chegou a marca de US$ 600 TRILHÕES. Falando muito à grosso modo, são derivativos de derivativos de derivativos… lastreados em títulos hipotecários dos Estados Unidos.

Agora parece que tudo começar a se esclarecer. Porque que quando puxada essa linha, ela parece não mais ter fim! Nada mais justo que atribuirmos aos Estados Unidos, boa parcela dessa culpa, como têm feitos os chefes de Estado ultimamente, sobretudo europeus.

E como se tudo isso não bastasse, o mercado de capitais começou a trabalhar este mesmo processo de securitização com outros produtos. Desta vez, commodities: produtos de petróleo e gás, energia, ouro. O problema do mercado de petróleo de gás, sob o ponto de vista do mercado financeiro, é o mais arriscado. Seria muito mais fácil fazer negócios nesse meio se as companhias de geração de energia pudessem mitigar seus riscos ou transferi-los integralmente a terceiros; podendo assim concentra-se exclusivamente nas suas áreas fins: exploração e extração. Esse é mercado cujos ingrediente da margem de contribuição é o mais volátil: sofrendo com alta ou queda nos preços, conforme o excesso ou escassez de produção.

Os motivos até agora apresentados nos dão um parâmetro muito melhor do porque que o Brasil, até o presente momento, apesar das nossas dificuldades, ainda não sentiu forte impacto dessa crise. Temos hoje uma economia incomparavelmente mais sólida que há quinze ou vinte anos atrás. Feito esse, produto de um processo que vem desde o plano real.

A valorização do Ibovespa, por exemplo, é reflexo dos bons fundamentos da economia brasileira e da redução do Risco Brasil, a tal ponto que fez com que obtivéssemos a recomendações das agências internacionais como “grau de investimento”.

Para ilustração, no Brasil o volume de IPOs ofertados em 2006 atingiu R$ 27 BI no mercado de infra-estrutura (petróleo, gás, energia, construção, logística, dentro outros), contra R$ 11 BI em 2005. E ao final de 2007, atingimos R$ 60,1 Bilhões.

Atualmente, permanece a tensão no mercado hipotecário dos Estados Unidos. Poderá continuar trazendo reflexos negativos para os mercados de capitais internacionais.

Cabe ao Brasil continuar fazendo sua parte, injetando moeda para crédito em geral no mercado financeiro. Sem isso, a economia não gira, não produz. E aí sim, estaremos com nosso futuro comprometido. Mas ainda nos restam boas esperanças.

Por fim, outros fatores também são preocupantes: câmbio do dólar e outras moedas, taxa de juros, balança comercial e de investimentos.